por Rodrigo Davel
Pibidiano (Bolsista PIBID 2012-2013)
A leitura é,
sim, antes de qualquer coisa, um processo biológico. É, pois, um processo de
interação entre autor e leitor, mediado pelo texto. Nesse processo dinâmico, ao
qual o leitor faz uso de vários sentidos de seu organismo, o estímulo ao ato da
leitura é primordial – assim como o estímulo da sede, da fome, do frio e do
calor, por exemplo. E é a leitura a partir de estímulos o ponto nevrálgico na
educação escolar, porque constitui um instrumento necessário para a realização
de novas aprendizagens. Logo, faz-se necessário conhecer as concepções da linguagem,
em específico da leitura. Porque só conhecendo as estratégias de leitura
pode-se estimular ao ato de ler, uma vez que ler é prever, pensar, interagir.
Sendo assim, o ambiente que irá receber o leitor é – também – protagonista do
processo. A biblioteca, como símbolo de leitura, então, é o objeto ideal para
uma análise do processo em questão. Estaria ela sendo utilizada de forma ideal?
Para tanto, todo educador precisa ter ciência dos mecanismos que norteiam o
processo de aprendizagem através da leitura, no entanto, tal processo tem sido
compreendido tradicionalmente como um ato mecânico de decodificação de palavras,
e as bibliotecas ganham aspectos de verdadeiras sacristias, ou laboratórios de
científicos.
O vocábulo biblioteca, da etimologia da palavra ou em definições de dicionários,
traz o significado de depósito de livros, móveis para guardar livros ou
simplesmente conjunto de livros. E realmente a semântica tem sido posta em
prática. O que se constata nas escolas, bibliotecas públicas ou particulares de
todo o país é a divinização profana de tais espaços de leitura. Divinização
porque são tratados como espaços sagrados, que guardam relíquias às quais se
deve muito zelo, respeito e subordinação; profana, pois, paradoxal e
hipocritamente, o zelo, o respeito e, consequentemente, toda a divinização é
encarregada somente aos visitantes, ou usuários. Aos administradores se
resguardam o papel de fiscalizarem o cumprimento das normas, das regras. Em uma
pesquisa rápida no “oráculo Google”,
pode-se encontrar inúmeras orientações para o uso da biblioteca divulgadas por
escolas – de todos os níveis de ensino, bibliotecas públicas e outros espaços
destinados à leitura. São regras rígidas e sérias, no sentido “chato” da
palavra. São regras que exigem disciplina, concentração e predestinação do
leitor à leitura. Uma criança, em pleno vigor da infância, com toda sua
curiosidade e impulsividade, enxerga esse ambiente sacro como um purgatório.
A
terceira edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil¹, de 2012,
mostra que o brasileiro lê em média 4 livros por ano (uma informação que deve
ser entendida com critério, visto que sabe-se que, ao se agrupar todos em uma
média, igualam-se leitores de 20, 30 livros por ano a não-leitores). Este
número é ainda menor do que o apresentado pela edição anterior da pesquisa,
feita em 2007, quando foi constatado que se lia em média 4,7 livros por ano. Embora
67% dos brasileiros saibam que existe uma biblioteca perto de seus lares, apenas
1 em cada 4 cidadãos as frequentam, de acordo com o Retratos da
Leitura. É com base em informações como esta que se pode
responder à indagação supracitada: as bibliotecas não são utilizadas de forma
ideal. Mas, não são os usuários os principais responsáveis. Na verdade, eles
têm ambientes muito mais agradáveis para concorrer com o tempo que seria
destinado a uma visita à biblioteca. Tendo como foco as crianças, raros são os
casos em que uma criança, com todo vigor físico e criativo em expansão, que
trocará um playground por uma biblioteca
na qual as exigências são, a priori, o silêncio, a disciplina e o estudo
independente. Assim, a pesquisa aponta que a má condição dos estabelecimentos é
um dos principais fatores que contribuem para esse distanciamento do público. A
Retratos da Leitura mostra que 20%
dos leitores do país não vão às bibliotecas por causa da precariedade dos
estabelecimentos. E não entenda precariedade apenas como prédio ou móveis velhos,
inadequados; entenda, também, como falta de estrutura lúdica, estimuladora a
visitas.
Lucila Martinez² “focaliza
a necessidade de um trabalho que leve em conta as condições externas ao ato de
leitura, como facilitadoras do processo.” Os mecanismos envolvidos no processo
de leitura nem sempre são conhecidos ou considerados por aqueles que estão
envolvidos com o ensino/aprendizagem da compreensão de textos. Porém, o
conhecimento de mundo que o leitor possui é relevante na obtenção desta
capacidade. Segundo a linguista Mary Kato (2000), “O conhecimento prévio que
permite fazer predições pode advir do próprio texto ou informações extra
textuais que provém dos esquemas mentais do leitor.” “Pra não dizer que não
falei das flores”, há bibliotecas que já se afastam do paradigma paradoxal
divino-profano. A Biblioteca Infantil Monteiro
Lobato³, na cidade de São Paulo, segue um modelo mais despojado, menos sacro. A
biblioteca apostou na atratividade, com a esperança de atrair as crianças, os
jovens e também os país, é um espaço que pode ser utilizado – e é – como ponto
turístico e área de lazer para a família. Além de salas com poltronas, pufs e tapetes para as crianças
deitarem, a Monteiro Lobato conta com uma atração que poucas têm: um parque. O
playground é da prefeitura, mas fica no quintal do prédio da Monteiro Lobato e
é bastante frequentado pelo público da biblioteca. O espaço físico conta
com a tematização e decoração inspirada na obra e personagens de Monteiro
Lobato e apresentações folclóricas, teatrais e musicais acontecem no interior
da biblioteca, desmitificando o obrigatório silêncio e o aspecto sisudo que
esses espaços adquiriram com o tempo.
Como apontou a pesquisa Retratos
da Leitura no Brasil 2008, mais
da metade dos frequentadores das bibliotecas são crianças e adolescentes. Assim
sendo, é fundamental que as bibliotecas tenham espaços voltados para esse
público. Espaços que os atraiam e os atendam com qualidade e na busca pelo prazer
de ali estar. Ler é bom para todos, mas é ainda mais importante no aprendizado
durante a infância e adolescência. Além da estrutura física agradável, é necessário
ter acervo e programação específicos para esse público. O processo de mudança de cultura
leitora aliado às inúmeras campanhas pró-leitura pode ser o fôlego que faltava
para a transformação da biblioteca. Metaforicamente, pode ser este o momento
para deixar de ser um casulo, com cores, asas e vida escondida, e ganhar o
mundo, ser jardim florido. O que se vê são bibliotecas que vêm se
adaptando ao processo de inovações tecnológicas ocorridas com a evolução da
humanidade, ampliando sua abrangência a redes sociais, sites, blogues etc. Mas,
só digitalizar o acervo não altera muito a percepção dos usuários. A atração
precisa ser exercida, mesmo que em um canal tão atrativo como a internet.
Portanto,
investir em campanhas que exaltem a importância e o caráter social da leitura é
importante, fundamental (!); mas, o público capaz de assimilá-las é a minoria
frequentadora das bibliotecas (como é possível constatar pelo resultado da
pesquisa supracitada), um público adulto. O foco deve sempre ser as crianças e
os jovens, o foco deve sempre ser a formação de novos leitores. Não que se devam
abandonar os indivíduos já leitores assíduos; mas, estes já despertaram o gosto
pela leitura e podem caminhar até a biblioteca por conta própria, já conhecem o
ambiente e suas nuances – devem, inclusive, serem usados como iscas a novos
leitores. Já os novos possíveis leitores, a geração seguinte, precisa ser
estimulada, em meio a tantos estímulos que recebem sentados em frente a um
computador no conforto e na liberdade de suas casas. É neste momento que
programas como o PIBID/CAPES fazem-se essenciais. Pois o trabalho de
metamorfose das bibliotecas depende de nova postura dos sujeitos atuantes no
processo de ensino/aprendizagem: o professor – a escola. A biblioteca, então,
não precisa ser um Jardim do Éden.
Ela só precisa ser agradável e convidativa.
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Biblioteca Infantil Monteiro Lobato - SP Rodrigo Davel com o boneco "Saci Pererê", d'O Sítio do Pica-Pau Amarelo |
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Biblioteca Infantil Monteiro Lobato - SP Rodrigo Davel com o boneco "Visconde de Sabugosa", d'O Sítio do Pica-Pau Amarelo |
1: Realizada pelo Instituto Pró-Livro com
apoio da ABRELIVROS, CBL e SNEL a terceira edição da pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil, foi lançada em Brasília, no dia 29 de
março de 2012. A pesquisa é única, em âmbito nacional, que tem por objetivo
avaliar o comportamento leitor do brasileiro. (...)Seus
resultados ajudarão o próprio IPL bem como outras instituições públicas e do
mercado editorial a orientar suas ações. O estudo tornou-se uma referência
quando se trata do comportamento leitor no país, desde seu lançamento em 2001.
Seus resultados foram amplamente divulgados e orientaram estudos; projetos e a
implantação de políticas públicas do livro e leitura no país. Objetivo da pesquisa: Medir
intensidade; forma; motivação e condições de leitura da população brasileira,
segundo opinião dos entrevistados. http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=2834
2: Lucila Martínez, educadora,
especialista em planejamento da Educação; pedagoga e Mestre em Biblioteconomia
e Informação (Pratt Institute de Nova Iorque, EUA); Especialista em Inovação e
Difusão Tecnológica (LNCC/UCP/Brasil), com vasta experiência na formulação de
políticas nacionais para o desenvolvimento do livro, de ambientes favoráveis à
Leitura e de sistemas locais e regionais de Inovação, na américa Latina e
Caribe, bem como na coordenação de projetos internacionais para Banco Mundial, UNESCO,
CERLALC, PNUD, OEA, BID, bem como em planejamento e coordenação de redes de
sistemas de bibliotecas escolares e públicas. Radicada no Brasil desde 1986,
além da consultoria internacional desenvolve e executa no Brasil, projetos que
utilizam materiais multimídia e de inclusão digital, para o estímulo à leitura,
educação e cidadania participativa. Planeja e coordena programas de educação
continuada para professores, gestores e lideranças da educação, saúde,
desenvolvimento social e meio ambiente. Responde pela direção pedagógica e
editorial do Programa CRIANÇAS CRIATIVAS®.
3: A Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato é a
mais antiga biblioteca infantil em funcionamento no Brasil e precursora de
outras similares, tanto no município como no interior do estado de São Paulo,
graças à educadora Lenyra Camargo Fraccaroli, que, além de dirigir a biblioteca
até 1960, também incentivou e supervisionou a construção de bibliotecas
infantis em vários bairros da capital. (...)Criada em 14 de abril de 1936,
a biblioteca recebia o nome de Biblioteca Infantil Municipal. Sua criação
fez parte de um amplo projeto de incentivo à cultura, elaborado por um grupo de
intelectuais liderado por Mário de Andrade, então diretor do Departamento
Municipal de Cultura. (...)Em 1955,
a biblioteca passou a levar o nome do escritor que tanto encanta crianças,
jovens e adultos, Monteiro Lobato. Hoje, a biblioteca conta com um acervo de 46 mil
volumes, constituído por obras de literatura infantil, juvenil e
literatura geral, livros didáticos, paradidáticos, dicionários, enciclopédias,
jornais, revistas, recortes, mapas, atlas, CD’s, DVD’s, fitas cassete, CD-ROM’s,
entre outros. (...)a Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato possui uma
gibiteca, seção de livros de teatro, o acervo Monteiro Lobato, o Teatro
Infantil Monteiro Lobato/TIMOL, o auditório Lúcia Lambertini, espaços multiuso,
programação de peças de teatro, sala de vídeo, visitas monitoradas com escolas,
atividades permanentes para crianças, como contações de histórias, e tantas
outras.